quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Racismo Made in Brazil

O equívoco comum, bastante praticado, ao se abordar a questão do racismo no Brasil é o de compreendê-lo como igual ou similar ao de países com outras histórias e tradições. A eterna comparação com os EUA, outro gigante territorial e populacional do Novo Mundo, fez com que muitos relativizassem ou negassem a existência de racismo no Brasil, ao contrário de entendê-lo dentro de suas especificidades. De modo mais raro, a comparação com o finado apartheid sul-africano colocou o mesmo país, para os mais incautos, como pátria da tolerância racial.
A história de nossas relações inter-raciais remonta a um modo de produção - o escravismo colonial - que durou quase quatro séculos. Este integrou a economia, a sociedade e a cultura em um bloco político monolítico, orquestrado em sua fase final por uma monarquia importada de Portugal que nos governou de 1808 a 1889. Nos governos de João VI, Pedro I, nas Regências e no governo de Pedro II (1840-1889), o escravismo chegou ao seu ápice e ao mesmo tempo ao seu declínio. Em 1888, um decreto real aboliu a escravidão legal do país, para em seguida (1889) a monarquia ser derrubada pelo primeiro golpe de Estado militar (republicano) da história do Brasil.
Como nos Estados Unidos, nossa Independência foi feita sob o signo da manutenção da escravidão. Diferentemente de lá, jamais tivemos por aqui algo como a Guerra da Secessão, isto, porque a escravidão unificava o país como um todo. Diversos movimentos armados provinciais, ocorridos no século XIX, militaram contra a autoridade centralizada do imperador, mas, a não ser em posições e casos especiais, não contrariaram o ideal de manutenção da escravidão. Os liberais subversivos brasileiros da época defendiam o direito soberano de se ter escravos, concordando, neste ponto, com o nacionalismo escravista do poder central.
Não houve no Brasil área expressiva de nossa produção que não tivesse sido contaminada pela presença do braço escravo em maior ou menor grau. Em nosso tempo, algumas regiões, onde a escravidão teve menor importância ou a imigração aumentou o contingente populacional de origem européia, reivindicam o status de área do trabalho livre, tentando esconder seu passado.
Por aqui, jamais tivemos nada similar a uma Nova Inglaterra. Do sul ao norte, a escravidão foi a referência básica do mundo do trabalho até o século XIX. Sua integralidade foi patente, organizando a vida material e espiritual dos brasileiros livres, libertos e escravos. Aliás, do ponto de vista formal, fomos o último país a abolir a escravidão de africanos e seus descendentes (1888). Mantivemos os nossos indígenas em cativeiro até a segunda metade do século XVIII. Compreender o Brasil significa lembrar deste passado, considerando, por exemplo, que a realidade da grande maioria é o que constrói o mundo em que vivemos. O material e o simbólico derivam da vida do conjunto da sociedade e não de apenas uma de suas partes.
Luís Carlos Lopes


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