Natural de Salvador e graduada em Letras pela Universidade Católica, Jucy é também professora da rede municipal e estadual de ensino da Bahia. Sendo a segunda mulher a atuar na direção da organização, a educadora tem sob sua responsabilidade ampliar a dimensão de gênero da Biko e, para isso, está criando um plano de curto, médio e longo prazo para desenvolver políticas com foco em gênero, além de criar um programa de incentivo à carreira política para jovens negras.
Jucy Silva, que entrou para o Instituto Steve Biko em 1993, acredita que a política de cotas nas universidades públicas, além de possibilitar uma concorrência mais justa ao levar em consideração a trajetória diferenciada dos jovens negros, oportuniza um rompimento do ciclo da pobreza.
Correio Nagô - Conte-nos um pouco mais sobre o Instituto Steve Biko. Quais são os objetivos da organização e suas principais realizações?
Jucy - O Instituto Cultural Steve Biko, ao longo dos seus dezoito anos, tem avançado na promoção da igualdade racial. De fato, nós temos influenciado políticas públicas, a exemplo da adoção do sistema de cotas na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e contribuímos bastante para a formação de ativistas na luta anti-racista a partir da preparação de centenas de jovens negros que ingressaram nas universidades baianas e que passaram anteriormente pela formação política do nosso curso de Cidadania e Consciência Negra que é ministrado em todos os projetos educacionais do Instituto.
Como principal objetivo a ser alcançado pelo Instituto, temos a constituição de nossa própria Instituição de ensino superior, a Faculdade Steve Biko.
Correio Nagô - Quais são os novos desafios da Biko nessa nova gestão? Quais serão os principais projetos?
Jucy - Os maiores desafios são: a sede própria, a sustentabilidade, publicação da história do Instituto Cultural Steve Biko e suas tecnologias sociais, a formação de quadros e consolidação da profissionalização por meio da atuação dos núcleos de trabalho.
Correio Nagô - Como você se sente ao assumir a direção de uma das mais importantes organizações negras do Brasil, pioneira no segmento curso pré-vestibular para negros/as?
Jucy - Segundo o pensamento do Bantu Steve Biko, “ou você está vivo e orgulhoso ou você está morto. E quando está morto não se incomoda com nada.” Posso afirmar que me sinto viva, orgulhosa e com a responsabilidade de dar continuidade ao crescimento do Instituto, trabalhando em prol da realização da missão, agindo com respeito, solidariedade e determinação para atingir a visão institucional.
Para chegar à diretoria executiva, construí uma trajetória de onze anos com muito compromisso, dedicação e aprendizado. O Instituto proporcionou o meu fortalecimento profissional e também resgatou a minha autoestima como mulher negra. A Biko é um espaço de transformação de pessoas, onde aprendemos, crescemos e ajudamos os outros e outras a crescerem e se sentirem fortalecidos para lutar por seus objetivos. Quando Cheguei à Biko, diretores, professores e estudantes confiaram no meu trabalho por isso cheguei até aqui.
Correio Nagô - Você é a segunda mulher que assume a direção da Biko. Como as políticas de gênero serão aplicadas dentro da sua gestão?
Jucy - É verdade. A primeira diretora executiva do Instituto foi Maria Durvalina Cerqueira Santos, por quem eu tenho um carinho muito especial, é a minha primeira grande referência feminina dentro da Biko, pois a conheci na aula inaugural do pré-vestibular em 1993. Quando entrei na Biko para lecionar, fui recebida por ela, que, na época (1999), era diretora pedagógica.
Nas aulas de Cidadania e Consciência Negra, discutimos relações de gênero, porém estou elaborando um plano de ação a curto, médio e longo prazo, para ampliar as políticas de igualdade de gênero. A Biko tem uma grandiosa força feminina que a cada dia contribui mais para o desenvolvimento do Instituto. A primeira ação será um evento no mês de março, seguido de intercâmbio e roda de diálogos com convidadas de áreas diferentes e membros do Instituto, além de um projeto específico de combate à violência contra adolescentes negras.
Considerando que, na última reunião do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ficou em baixa colocação no que se refere às mulheres na política, e quando olhamos para a mulher negra a situação é mais difícil, tenho como meta fomentar um programa de incentivo à carreira política para jovens negras. Acredito que um projeto desta natureza pode servir de exemplo e ajudar a diminuir esta disparidade na política brasileira.
Correio Nagô - Como você avalia esse momento de ascensão de mulheres ao poder, como no caso da presidenta Dilma e suas ministras?
Jucy - De forma positiva e incentivadora, espero um governo de mudanças significativas, com projetos inovadores que contribuam principalmente para dirimir todas as formas de desigualdades existentes no Brasil, dando base para que, em um futuro próximo, possamos aumentar também a representatividade das mulheres negras nos poderes executivo, legislativo e judiciário.
Correio Nagô - Qual a sua avaliação sobre as políticas de ação afirmativas nas universidades? Como a Biko tem ajudado nessa transformação?
Jucy - As políticas de ações afirmativas são importantes instrumentos para a promoção da reparação socioeconômica da população negra. Mais especificamente a política de cotas nas universidades públicas além de possibilitar uma concorrência mais justa ao levar em consideração a trajetória diferenciada dos jovens negros, ela de fato oportuniza um rompimento do ciclo da pobreza, nesse segmento dado a maior qualificação que os jovens negros passam a ter após a conclusão dos cursos. A iniciativa pioneira do nosso pré-vestibular voltado para estudantes negros contribuiu para a mobilização da sociedade, em especial mobilizando a militância negra para a luta pelo acesso ao ensino superior.
No que se refere às políticas públicas, acrescento que nossas ações políticas em conjunto com outras organizações negras foram decisivas para o estabelecimento das cotas na UFBA e foi seminal para a criação de projetos como Universidade Para Todos do governo do Estado e o Programa Diversidade na Universidade, destinados ao acesso de grupos excluídos ao ensino superior. De fato, o Instituto Cultural Steve Biko e as demais entidades do movimento negro tiveram uma fundamental participação para que o debate sobre a democratização do acesso ao ensino superior fosse colocado na agenda nacional.
Correio Nagô - Como o Instituto Steve Biko vem se preparando para construir a primeira faculdade negra da Bahia? Como será essa instituição?
Jucy - Através da qualificação do corpo técnico do Instituto; a promoção de importantes diálogos com universidades afroamericanas, bem como com intelectuais afrobrasileiros e da diáspora. Estamos também reavaliando nossos processos administrativos e educacionais, melhorando nossa comunicação institucional, fortalecendo o núcleo de captação de recursos e estamos bem próximos da aquisição da nossa sede própria que deverá abrigar a estrutura inicial da faculdade.
Acreditamos que com a criação da Faculdade Steve Biko poderemos dar uma grande contribuição para mudar a cara do ensino superior no Brasil, principalmente no que se refere aos conteúdos e a forma de interação com as comunidades. Nossa faculdade terá como principal diferencial a contemplação dos saberes legados pelo povo africano e sua diáspora, bem como a forte atenção às demandas das comunidades excluídas.
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Jucy - Quero desejar novos e abertos caminhos e que todos e todas estejam cada vez mais convencidos de que é essencial a nossa consciência e atitude em prol da Igualdade racial e de gênero.
Entrevista: Paulo Rogério
Edição: Keila Costa
Jucy Silva e Valter da Mata
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